quinta-feira, 27 de outubro de 2011

dilacerado


Agora que matas,
que vendes,
e que te abrigas num túmulo qualquer,
sem seres capaz de libertar o orgasmo preso na tua língua.

o deslumbramento da tolice

ri-me
pareceu-me curiosa a coincidencia
um único rapaz estudante do feminismo
que abandona a disciplina

não me ri com ar assertivo
mas o riso tolo das primeiras leituras
gosto de provocar os mais sisudos
porque acho que a tolice deve ter lugar

não me ri com a ironia sarcástica
dos que de mim sempre se riem
de mim e das minhas tolices
porque me assumo tola
com toda a dignidade
que a palavra não confere

Só um sábio que saiba ser tolo
o poderá ser de verdade

quarta-feira, 26 de outubro de 2011

(Sen)(ti)do

Olharam-se ao espelho e viram para além do que viam. Conheceram aquilo que desconheciam e que apenas fazia sentido sem entenderem como. Viram as almas e não reconheceram o corpo. Viram no espelho mais do que o próprio reflexo, e tudo fazia sentido por não haver nada mais que precisasse fazer sentido, porque chegou o momento em que se desprenderam dos corpos e viram no reflexo mais do que aquilo que os sentidos lhes mostravam. Viram-se e perderam-se na imensidão das formas e de tudo o resto. Viram que eram maiores do que os corpos, viram que não tinham tamanho. Viram que na falta de tudo fazer sentido, estava o sentido de tudo.


Ana Valente

terça-feira, 25 de outubro de 2011

A ideia é que tinha de ser feliz

A tristeza tem uma beleza contagiante. Mas é necessário contempla-la, apenas, ou descansar um pouco nela às vezes. E não afeiçoar-se demasiado. Por isso a Mulher começou a escrever todos os dias de manha três pedidos a que tinha direito: estar com aquele amante, aquele amigo, comer um bolo carregado de açúcar, por exemplo. Mesmo dispondo de um estilo prático, saia ao sábado de vestido, deixava que os homens olhassem para ela - sentia-se bonita e isso fazia-a feliz, ainda que uma vez por semana, 
ao sábado,
com um vestido que não fora feito para ela. À noite, se concretizasse os três pedidos, variados ou não, metia o Post-it dentro de um cofre, guardado a sete-chaves. A ideia é que tinha de ser feliz, feliz, feliz.

segunda-feira, 24 de outubro de 2011

Cachopos

Ainda a manhã parece ontem, e já os cachopos tossem de má manha. A mãe atirou-me aquelas criaturas para os braços, á espera de não sei quê e de não sei quantos milagres. Se é de tarde, os estafermos agarram-se à tv, depois partem-me os vidros da vizinha com a bola e atravessam o monte à espera que o Ti Chico lhes resolva uma infinitude de milagres. Mas não não, comigo não fazem, que a mãe disso já é bem sabida. Fazem beicinho de misericórdia – Oh tia, oh tia – Oh tia nada, digo-lhes – e nem mais mas nem meio mas – nem tia Silvina para aqui, nem tia Silvina para acolá. Acabou-se. Farta.
Depois a mãe regressa, baixo o pio dos galos, pela calada. Fazem-se de anjinhos, a aureola não a vejo. E como foi o dia de hoje? E portaram-se bem? E fizeram, e aconteceram,e? e...? Já sem pachorra para as papagaiadas daquela mãe e as suas perguntinhas diminutivinhas, como se os seus menininhos fossem uns anjinhos, mas é peninha, porque aquela ignorantesona não vê o comportamento irritante daqueles trastes. E eles voltam, no dia seguinte. Para mais um capítulo de santas paciências. À espera dos responsos da tia Silvina, dos milagres do Ti Chico.

quinta-feira, 20 de outubro de 2011

Na tua porta ou na tua?

Fechei as malas que guardavam a minha roupa, ainda com o teu cheiro. Fechei-as e voltei para o sitio que me quer...
Antes partia e mete de de mim ficava na porta que me vê voltar sempre que volto, hoje parti... peguei na mala. Estou voltando para a porta que me vê chegar sempre que volto. Essa porta esta a ver me chegar, sem a metade que ainda me restava quando voltava. Agora, para que quero eu abrir esta porta que me vê chegar, se tudo o que de mim restava ficou na tua porta? A minha sombra, o meu chão, eu... Agora a tua porta é a minha porta, e esta, que era minha, não tem mais de mim se não a minha ausência.
Entro na porta cheia de ausência, ou vou ai buscar as duas metades que me faltam?

quarta-feira, 19 de outubro de 2011

VIVE LA RÉV(E) (S)OLUTION - ao casal desconhecido

No dia 24 de Março de 2011, na rua de Santa Catarina, estava um casal de adolescentes beijando-se imóveis, qual estátuas humanas. O resto das pessoas circulavam atarefadas, desviando-se dos jovens que, às vezes, levavam algumas cotoveladas apressadas.

No entanto, nada parecia perturbá-los. A verdade é que eles não estavam ali. Estavam noutro lugar, noutro tempo, onde os minutos são horas e as ruas são desertas. Mais ninguém partilhava da mesma realidade. (eu sei porque já lá estive também)

Por três vezes passei por eles, para cima e para baixo, também eu atarefada, e eles lá estavam, imóveis, como se o tempo não passasse. Lembrando que na verdade o tempo é arte, o tempo é beleza e a Terra o lugar para amar.

Naquele local, estava na verdade, outra dimensão. E eles eram o portal para esse universo paralelo: a coexistência de vários mundos no mesmo espaço e tempo.

Ali, naquela mesma rua onde, há poucos meses, outro casal, mais velho talvez, fora espancado pelas mesmas razões: integrarem a dimensão do amor na dimensão quotidiana. Isto é a verdadeira arte. Amada, odiada ou ignorada. Mais espontânea, mais automática, mais filosófica e hormonal do que a arte contemporânea em geral. Mas poesia pura, dança, cinema, fotografia, música, uma pintura subversiva, a revolução dramática do amor em que a rua é o palco e o quotidiano a audiência



dedicado a José Argüelles, falecido no dia anterior, 23-03-2011, não viveu para conhecer o 2012, que descanse em paz

dedicado também aos meus professores de dança, poesia e teatro. Obrigada por me darem asas para sonhar. Respectivamente, Yola Pinto, Rosa Maria Martelo e Alexandra Moreira da Silva

e, claro, também agradeço ao casal pela partilha

O sítio das coisas que se perdem

Vou te guardar no sítio para onde vão as coisas que se perdem. Não é o gostar de perder, é o gostar, dos "apesar´s de tudo" te guardar. E se tudo o que existe têm um sítio, esse será o teu. Não estarás sozinho, nem direi que te perdi. Estarás apenas no sítio das coisas, e com as coisas que se perdem. Ainda assim em mim, que não sou meramente feita do que ganho, mas essencialmente do que perco.

terça-feira, 18 de outubro de 2011

suit full of colours



Hoje, tudo se apagou por um momento
(a luz à minha volta tornou-se púrpura
e a tua voz foi a minha cura)

e encontrei-me

nesse minuto do espaço, nessa lasca de tempo.


o teu olhar doce, talvez sincero,
envolveu-me numa atmosfera de brilho irreal,
arrastou-me do mundo material
(que me olhes mais vezes espero)

e mais! :as tuas palavras sorriram (só para mim);

deram gargalhadas
estrondosas;
gritaram o meu nome fervorosas!

entraram neste mundo que é só meu.

20/09/2006

Perdemo-nos

Tínhamos tudo! tínhamos a pele para nos sentirmos, e tínhamos-nos dentro da pele para existirmos. Tínhamos os lábios e as mãos. Tínhamos relógios sem sentido que nos faziam ficar, tínhamos relógios parados para só haver presente. Tínhamos o chão para pisar. Tínhamos lábios com formas desajeitadas que ganhavam outras formas à medida que percorriam a pele, a pele que nos tinha por dentro. Os lábios, esses lábios tinham todas as palavras do mundo.
Tínhamos tudo, mas, ninguém pode ter tudo. Nós tínhamos... e éramos ninguém. Ninguém, pode ser ninguém.Perdemos tudo.

segunda-feira, 17 de outubro de 2011

A minha casa

a minha casa é a maior do mundo, sempre foi... Não tem tanto espaço como as casas grandes, mas é Grande. Não tem jardim, a natureza está em nós. Os hospedes ficam na sala, mas o número dos quartos é esse mesmo que lá está. Nos corredores a relatividade reina, é que a árvore de natal era maior que eu faz uns bons anos e agora a mesma árvore de natal está mais pequena. Mas se o tamanho está no espírito o que importa então? Até acho que ela já está maior do que aquilo que o tecto lhe permite. O sofá também diminui, às vezes não cabemos todos. mas por contrapartida, quantos mais somos maior ele fica. A mesa da cozinha também cresce... quando estamos seis.
A minha casa é versátil. Ela vira do avesso. Na minha casa a parte de dentro fica no lado de fora quando não estamos lá dentro.
Na minha casa há uma coisa que sempre faltou... a água que não chega para saciar ninguém.
Na minha casa há mais amigos que amigos há no mundo.
Em minha casa cabem mundos, cada quarto tem um mundo. Em minha casa o universo cabe lá inteiro e ainda sobra espaço para mais.
Em minha casa há mais portas do que aquelas que podemos ver. As portas em minha casa não servem para fechar.
Em minha casa as fotografias passeiam com memórias e são muito bem vindas.
Em minha casa as paredes também tem lágrimas, mas gostamos delas na mesma. os sorrisos nascem sempre que olhamos as lágrimas passadas e conseguem disfarçar muito bem essas imperfeições do papel de parede.
Em minha casa nós somos maiores que o tamanho que ela aparenta ter, mas cabemos na perfeição
A minha casa cresce sempre que entra mais um!

domingo, 16 de outubro de 2011

Já tem 4 anos, já não me identifico com a forma/estrutura, mas sim com o tema.


Falua da Tarde


Atraco no Caos do Sodré
Final de tarde
Meia-maré.
Falua de Sol no horizonte
Conversa distante entre dois olhares.

Igreja ao fundo na Mouraria
Crucifixo que roga com fé,
Luz sinaleira que comanda
A multidão caótica que passa.


Pôr-do-sol lancinante
No véu dormente desta cidade
Odor amargo que mendiga
Numa garrafa de whisky perdida
Nos escombros desta saudade.

o som do violino


Li numa frase, não muito longe daqui, antes de encontrar a fotografia, que só o que não é linear pode ser lindo. Vagarosamente, fecho os olhos, entro na fotografia de surdina para alcançar o som do violino acariciado por dedos delicados. Deixo-me ficar. Tudo o que tenho para dizer agora não tem valor. A noite não se suspende julgando que existo.  

sábado, 15 de outubro de 2011

Ia dizer-te para ires á sombra
para o sol não iluminar
demasiado as tuas ideias,
mas olvidei-me, e
por isso agora te escrevo
fazendo destas reles palavras
uma intenção de poema,
num formato Xpto, supra contemporâneo
e em corpo digital. Mas
olvidei-me de novo: afinal é noite
e faz sombra nos teus cabelos. Resta-te
apenas aquecer
os livros do resfriar da madrugada.

anjo negro


Nas profundezas do teu olhar,
frio, escuro e tenebroso,
encontro um anjo negro a vaguear
procurando algo misterioso

Pelo mundo vagueias, atormentando os demais
puxando-os com as garras, até que sintam dor
o que não é difícil pois são simples mortais
Sendo a tua intenção a de meter medo, criar pavor!

Nas tuas veias corria a uma eterna maldição
Do céu caís-te, pois a tentação foi maior
No teu ser só imerge tristeza, dor e aflição
Assim só há crueldade, o que te faz sentir pior

Morres nesta vida, onde estás alma foragida?
Foges desse corpo para te manteres pura
Foges pois estás farta dessa vida sofrida
Vida essa que necessita simplesmente de uma cura.

Durante a minha angústia, te chamei

pois minha alma de mim se afastava

Por todos os meus pecados chorei

e uma grande tristeza em mim se instalava


Desço nas profundezas do meu coração

à procura de algo que me faça sonhar

Foi aí que eu senti uma imensa paixão

pelo carinho que me tens vindo a dar


Sou teu poeta que vageia por aí a sonhar

tu minha musa que sigo pra me inspirar

Palavras de um eterno coração partido


que diligencia a cura deste que está ferido

pois cada vez está mais desilodido

e teima em que tudo possa algum dia mudar…

Impressões de pianista

No silência das trevas...abre-se a tampa...
O mistério começa a alimentar a ânsia...
A luz irá entrar...
Estendo as mãos até às teclas,
Ansiosas por pôr as garras de fora...
Dou um Dó, toco um Ré e sinto um acorde...
Arrepios correm-me de alto a baixo...
E a minha boca desenha um sorriso
Porque aos poucos os portões da luz abrem-se
A sala vazia ganha vida,
As árvores batem nas largas janelas,
E as minhas mãos harmonizam sons...
E cada tecla desperta ânsia
Capaz de ressuscitar almas
E a música ecoa pela sala
Numa sinfonia profunda,
Em que os olhos lacrimejam,
E o coração não sabe se está vivo...
As teclas deixam as mãos dançarem...
De repente, tudo pára
O silêncio das trevas voltou...
Envolve o coração e deixa-o asfixiado
Tudo na sala fica assustador, profundo
E é então que a Luz mostra as garras
Impõe-se perante as Trevas,
E a pausa termina com um toque...
Suaves, os dedos, passeando cada tecla,
Muito devagar, calmamente...
A melodia vai saindo misteriosa...
E as mãos caem nas teclas pesadamente
E inicia-se uma balada,
Melodicamentre bela,
O meu corpo arrepia-se a cada som
E as mãos terminam a música,
Mas a tampa do piano não se fecha...
Porque a Luz deixou na minha mente
A música a ecoar... para sempre.

( é da minha autoria, toco piano)

quinta-feira, 13 de outubro de 2011

O homem esquisito vivia com a melancolia. Todos os dias à noite conversavam em silêncio. O olhar de ambos arrastava-se pelo pó da casa. Florescia à sua volta a saudade das palavras. Tocavam-se num abraço cálido. Os seus gestos espraiavam entre paredes cansadas de existência. Eram água os seus pensamentos numa corrente incontrolável. O desencanto íntimo entre o ser e o existir. Gerberas e magnólias cerram a luz da casa. O homem esquisito despediu-se e tirou férias da vida.

quarta-feira, 12 de outubro de 2011

Fuga

Por entre as árvores ele corria
O ar fresco e puro batia-lhe na pele
Até que finalmente chegou.
Com a respiração ofegante
Mergulhou vestido.
Todo o barulho se desvaneceu
Era um silêncio profundo
Dava aos braços
E sentia cada vez mais
A saudade que lhe estivera
Subentendida todo este tempo
Em que ele viveu em melancolia
A água roçava no seu corpo
Pura e cristalina.
Voltou à superfície
E apareceu como que num desencanto.
Sentou-se num rochedo
No qual se espraiavam os raios de sol
E olhou à sua volta...
O seu olhar prendeu-se numa gerbera
E como se fosse uma menina de cinco anos
Deu por si a contemplar
O florescer das magnólias
Como se estas consigo falassem...
E então levantou-se
Descalço, passeou os pés na erva fresca
Inspirou abundantemente
Tudo o que aquele lugar lhe proporcionava,
Com o nariz e com os olhos.
E com o coração vestido de harmonia e liberdade,
Saiu da floresta e voltou à cidade.

terça-feira, 11 de outubro de 2011

Tempo

Perco tempo, gasto tempo, desperdiço tempo em nada. Sou viciada no tempo, mas o tempo não se vicia em mim. É controverso julgar o tempo, é uma escolha fracassada determinar quanto tempo é o tempo. Tanto podem ser horas vazias, como segundos intensos... Tanto podem ser esperas infinitamente inacabáveis, como surpresas completamente excêntricas. Não julguemos o tempo. O tempo precisa de estar em repouso no que toca à conjugação de um verbo partilhado a dois. Não queremos que o tempo passe nesse momento. Não queremos os minutos, nem as horas que este duram. Queremos a paixão que nos é transmitida a cada beijo, a cada toque. O tempo controla tudo... Cada passo, cada gesto, cada decisão. Mas o tempo é meu aliado. Hoje em dia, o tempo sabe dar o impulso no momento certo e constrói a loucura passional em que estou inserida.


Sr. Tempo, preciso de ti.
XV

poesia votiva
no corpo devotada, para
ser pétala, palavra

em desabrochares mudos
a quem pólen semeou
as letras
para colher
a obra máxima de renascença. Lexosíntese

conjugação mútua
de palavras
no sol houveram dias
e noites, luas
em que parágrafos derivaram
na insolação,

ganharam os estios
as sílabas diurnas
girando
folhas de papel
girassóis
e poetas ao pontapé
mergulhados na verania.

segunda-feira, 10 de outubro de 2011

as folhas dos livros


As folhas dos livros não são brancas.
Muito menos as dos que falam de Amor,
em que os amantes se demoram neles,
desmedidos. As folhas dos livros têm a cor do amor. 
O preceito de eternizá-lo.