I
As pessoas escrevem quando querem gritar
Ou quando lhes gritam silenciosamente ao ouvido
“Eu sou aquilo sobre o que irás escrever
Serei o disco repetido que ouves constantemente
Viverei na tua cabeça
Quer me alimentes, quer me ignores
Alojar-me-ei, assim, até que me escrevas
Até que me libertes, me empurres contra o papel
Num parto contínuo sem choro nem gritos.”
II
Assim nascem os textos, pelas nossas mãos. Damos-lhes o nosso ser, o nosso sangue, a nossa língua, a nossa saliva. Logo que nascem, nos abandonam, regressando ao mundo de onde vieram. Quem pode pará-los depois de nascidos?
A nós só nos resta o acto de contemplar. Vemo-los crescer de maneiras desviadas de nós, atingir a sua plenitude, e perguntamo-nos “̶ Fui mesmo eu que te escrevi? Onde estavas antes de te ter escrito que nunca te encontrei na minha cabeça? Como é possível que tenhas saído da minha mão?”
III
Autores, desapegai-vos da vossa obra
Generosamente, despojados de tudo,
Deixai que ela floresça ao
Olhar de quem a pegue,
Que fecunde, que se funda,
Que se metamorfoseie.
Compreendei, finalmente, que nada vos pertence,
Tudo é empréstimo,
Foi-vos sussurrado ao ouvido pelo mundo em que viveis
E a ele retornará.
Reformai-vos da posição de pais,
O texto não precisa de encarregado de educação,
Apreciai a condição de avós.
Contemplai com humildade o fruto do vosso fruto
Sendo gerado por outras mãos,
Outro ser, outra saliva
4 comentários:
Interessante instrução ao desapego do autor-texto.
Continua Lena.
Lena, adorei!
Lena, continua a escrever...please!
ahahaha vocês são uns queridos
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