sexta-feira, 18 de novembro de 2011

os textos são corpos efémeros onde residem ideias que reencarnam continuamente

 I

As pessoas escrevem quando querem gritar
Ou quando lhes gritam silenciosamente ao ouvido
“Eu sou aquilo sobre o que irás escrever
Serei o disco repetido que ouves constantemente
Viverei na tua cabeça
Quer me alimentes, quer me ignores
Alojar-me-ei, assim, até que me escrevas
Até que me libertes, me empurres contra o papel
Num parto contínuo sem choro nem gritos.”




II


Assim nascem os textos, pelas nossas mãos. Damos-lhes o nosso ser, o nosso sangue, a nossa língua, a nossa saliva. Logo que nascem, nos abandonam, regressando ao mundo de onde vieram. Quem pode pará-los depois de nascidos?
A nós só nos resta o acto de contemplar. Vemo-los crescer de maneiras desviadas de nós, atingir a sua plenitude, e perguntamo-nos “̶  Fui mesmo eu que te escrevi? Onde estavas antes de te ter escrito que nunca te encontrei na minha cabeça? Como é possível que tenhas saído da minha mão?”




III


Autores, desapegai-vos da vossa obra
Generosamente, despojados de tudo,
Deixai que ela floresça ao
Olhar de quem a pegue,
Que fecunde, que se funda,
Que se metamorfoseie.

Compreendei, finalmente, que nada vos pertence,
Tudo é empréstimo,
Foi-vos sussurrado ao ouvido pelo mundo em que viveis 
E a ele retornará.

Reformai-vos da posição de pais, 
O texto não precisa de encarregado de educação,
Apreciai a condição de avós.
Contemplai com humildade o fruto do vosso fruto 
Sendo gerado por outras mãos,
Outro ser, outra saliva

4 comentários:

Diogo Godinho disse...

Interessante instrução ao desapego do autor-texto.

Continua Lena.

Ana Valente disse...

Lena, adorei!

Rita disse...

Lena, continua a escrever...please!

Anónimo disse...

ahahaha vocês são uns queridos