sábado, 13 de outubro de 2012

o final da rua

Não comprava tabaco na mercearia do lado, ia até final da rua para ver as prostitutas a fumar cigarros, só porque sabiam fumá-los como ninguém. pintados de vermelho nas pontas, tinham unhas vermelhas para segurá-los. e no fim, eram o fumo naquele fim de rua a saberem os segredos de todas as suas putas. eram o cheiro na ponta dos dedos e a pele de todos aqueles em quem tocavam. eram o fumo nos pulmões de quem mais tarde solta suspiros e gritos de orgasmos nos ouvidos dos grandes cabrões que fumam cigarros de regresso a casa. 

terça-feira, 9 de outubro de 2012

até à morte




dançarei para ti com mil ninfas. só para ti
amar-te-ei até à morte como prometi,
afogar-te ei no teu ultimo orgasmo,
com a raiva de mil putas.
comer-te-ei a carne com beijos, a tua carne,
a carne que carregou tua mãe no ventre.
então serás só isso: o meu ventre.
tu no meu ventre até à vida,
tu a seres-te novamente para mim,
não uma outra vida, mas a mesma vida
para que te possa ver a sair de mim.
não a mesma forma, outra forma
que me sai do ventre em forma de amor para que te possa como prometido,
amar até à morte.

segunda-feira, 1 de outubro de 2012

Sortilégios



O que de ti sobrou em mim?
O medo do amor aos mortos, à carne e aos corpos macilentos. Às silhuetas das tuas ninfas escarnecidas que me fitavam na lua cheia antes de começarem a morrer. Ao cheiro da pele. e ao que me toca, ao que me toca senhor sem eu sentir.

Que da ferida de ti em mim, da pele, carne podre me fizeste. Para que do nojo que de mim tivesse, não pudesse o teu nojo mais lembrar. 

quarta-feira, 16 de maio de 2012

..

talvez te desse de mim todo o meu tempo
talvez de todas as palavras a minha voz
talvez de todo o meu corpo a minha alma
talvez dos meus poemas a ti mesmo
talvez oferecendo-te nunca te tivesse 

nunca mais te escrevi, assim te guardo.
como quem quer o mundo inteiro só para sí.

domingo, 13 de maio de 2012

.

Começo a desvendar todo o trama que envolve as frenéticas viagens de comboio.
Um frenesim que se instala aos ouvidos de quem passa e por quem passa, como uma lâmina que impede uma fuga forçada do local que o destino escolheu para realizar esse destino.

Consegue ser mais delicado do que qualquer homem que se imagina quando se imagina um homem.
De certo nos cruzamos para que se cumprisse algum fim, consigo senti-lo. não consinto que falem de intuição feminina. É o destino a olhar-me nos olhos e tu também o sentes de certo porque me olhas.
Incomoda me as gentes a atravessar-me o destino. perco-te segundos mas sinto-te esperando. Continuas sem desviar o olhar como calculei. não consinto que me falem em perspicácia. Sei o que vejo não o que ouço. o destino a tentar cumprir-nos.
Por obrigação do destino que ousei não cumprir saio a tempo na paragem.
Assusta-me pensar que tantas vezes deixo que a felicidade saia na paragem do lado. 

sexta-feira, 4 de maio de 2012

Loira Flamejante

Loira flamejante, toda eu era poesia.
Do meu vestido azul de veludo pregueado, aos dois laços de letras neon escarlate, 
cruzados um sobre o outro na cabeça...toda eu era fonologia.
Da pele, feixes ondeantes de versos frenéticos entre o rodopio de um refrão de luz, sílabas métricas entrecortadas por um abrir e fechar de acentos doirados chamejavam as letras do timbre da tua guitarra, e as sapatilhas:
com a lua debaixo dos pés, traziam o céu estampado a verniz.
Frases simples contidas em bolas de sabão, envolviam-me de magia, num outdoor gigante frente à tua casa.
O meu vestido tinha flores bordadas e muitas, muitas rimas.
O anel cheirava a jasmim e tu, arquiteto do poema, beijavas-me a mão, 
virgulando flama em flama este guizo d’oiro deflagrado em mim.
Botão a botão, vogal a consoante, ao teu ritmo, transparecia o tule carmim.
Hoje adormeço à espera de sonhar contigo, nesta morada de papel
rasurada de nostalgia.
Hoje dou de tomar à dor para que não se torne tirana.
Amante de Balzac, Flaubert e Machado de Assis.
Guerreira poética, amante de Aquiles, sepulcro no peito o amargo doce da vida.
Numa gramática de sonhos, loira flamejante, toda eu era poesia.

domingo, 8 de abril de 2012

Está-me apetecer chorar, sinto esta tristeza estranha dentro de mim…
Não sei o que faça…. Não choro agora mas chorarei quando sozinho no recanto da minha alma a que chamo quarto…

quarta-feira, 4 de abril de 2012

no turbilhão das letras


No turbilhão das letras perco conta aos quiproquós que cometo. O meu coração está preenchido único e exclusivamente pela força da tua ausência. O deslumbramento com que teimei ver-te devia ter sido travado enquanto não fosse. Chamemos-lhe delírio. É sempre uma palavra que fica bem num poema. 

agora por isso já sabes, assoma somente
não se dê o caso de não suportar-te mais tempo

domingo, 25 de março de 2012

apareces poesia
ao abrigo das intempéries
e as coisas das casas aparecem
aparecendo um mundo lá dentro
como o mundo que aparece contigo cá fora

igual a ti as palavras os olhos os alicerces
mas tu apareces até por cima das casas
e a poesia aparece contigo
sabendo então que tu foste a base
e o início de tudo em ti aparecia
dentro de ti a palavra
o princípio aparecias
agora o fim
apareceste.

quinta-feira, 22 de março de 2012

...

fica.  foge. grita.
ou melhor: geme. 
tens direito de escolha se escolheres fugir ou gritar. 
e gemeres por aí, claro.
agora ficar não fiques. Salva-te. 
se eu não te posso salvar,  então por favor salva-te,
mas não fiques que afinal a minha dívida contigo apenas cresce a toda a hora. 
é, era só gentileza sem carácter.
(de outra forma  quase que podia ser bondade)
mas insistes em desvendares-te em segredos
- que se irritam uns aos outros - e fazes de conta que vais
fazes de conta que ficas. 
valem-me os cigarros, o cheiro a tabaco nos dedos. a ânsia. 
e depois, mais uma vez, a recordação da dívida. mas aviso-te:
não fiques e não me olhes,
caso contrário transformar-te-ei em pedra,
como Medusa. 

segunda-feira, 19 de março de 2012

Perdido nas ruas boemias da minha alma

Vagueio velozmente sem rumo concreto e feliz vagueio com destreza e orgulho e felicidade e um futuro amor que me acompanha ora veloz ora lentamente com rumo mais incerto que o meu.
Passeio pela mente Lisboa uma escuridão inunda a minha cidade deserta e bela Possuo Lisboa e ando tranquilamente agora na estrada embrançando a (minha) escuridão.
Olho minha alma e vejo um túnel à minha retaguarda volto-me para a frente para contemplar a bela escuridão azulada da minha alma e vejo um candeeiro
de onde terá saído Apercebo-me de que estou na minha Sintra e sorrio com tristeza que saudades
Vagueio agora sozinho com a minha lágrima e respiro o ar puro e inexistente da minha amada Sintra Fecho os olhos e inspiro mais fundo uma e outra vez e cheiro o iodo do meu mar Abro os olhos e sem surpresa contemplo o meu oceano acompanhado agora pela solidão da minha alma.

sábado, 17 de março de 2012

dar uma volta

Esperei anelando que chegasses. A tormenta parecia nunca mais querer findar, no momento em que eu deambulava na melancolia do sentimento que me estaria a agoniar. Levantava-me sistematicamente do fauteuil e de imediato voltava-me a sentar. A tormenta de mim se apoderava, e eu já não conseguia mais aguentar. Porque tardas tanto em querer te aproximar? Haverá alguma razão pela qual te queres afastar? Quando, então, recebi um sinal de que acabarias por regressar, comecei a conjurar o tempo que levarias para até mim chegar. Enquanto passava o tempo a ansiedade ia aumentando, a inquietação tornara-se ainda mais constante. Os ponteiros do relógio mais rápido avançavam e o meu coração palpitava como os ponteiros desse relógio que exponencialmente se intensificavam. No entanto tu teimas em não cercar, por isso decidi por ti esquadrinhar. Busco a um passado, que não existe, que é futuro de um futuro que já passou e nunca deveria ter existido! E foi aí que te encontrei... Por isso agora vai...

sexta-feira, 16 de março de 2012

Tenho a vida inteira numa gaveta e o corpo espesso e comprido desfeito em cursos de areia O outono desenha-me incêndios na pele abreviada de luz e certezas As entrelinhas da cidade são a fronteira do meu corpo perdido em ruínas e museus Semeio dias nas noites apressadas de princípios e de cigarros Fingi as palavras e o escuro Adormeci em metamorfoses de gestos e de esperma Há confissões escritas em ossos e mármores Segredos Desertos de mentiras e encruzilhadas Há vestígios do sol presos na pele do passado e o medo nos meus dedos Horas secretas de carne e de sangue na verdade primordial Fingi a sentença poética dos meus versos Fugi da sepultura do corpo e da vida Ficam a escravidão e as palavras em que eu me apressei a ser

quinta-feira, 15 de março de 2012

os Anjos

Hoje penso em escrever o dia todo. Só para ter pretexto de ignorar tudo e todos. Há sempre um dia a mais que o outro e hoje exijo o meu. Não fumo cigarros mas o fumo está por todo o lado. Só os como. Se os fumasse escarnecia no fumo e assim só sinto o gosto agro de ter palha entre as covas dos dentes. Não durmo há mais de sessenta horas e não distingo pensamentos de imagens prestidigitadoras. A minha mãe e a minha avó ligam-me. Não atendo, decerto pensarão que estou com os Anjos a dormir. O estômago acusa algum mal-estar, alguma vitamina que está a menos de ontem. A música invés de me libertar prende-me a estas paredes. A máquina de café precisa de água e eu de cafeína. A cafeína liberta pensamentos. Sem ela as figuras de estilo perdem-se na escuridão do quarto. A lâmpada está fundida e não há serviço de casa para as lâmpadas. Devia haver para tudo. Todos sabem que a rua só pode ser habitada por quem tenha o mínimo de decência e eu, neste estado, como poderia ir comprar o quer que seja sem ter um segurança atrás de mim. A ideia dele surge-me humilhante. Tanto quanto o lápis por afiar e a única coisa que tenho à mão para tal ameaça é uma faca. Não gosto de ter facas à mão. Assusta-me. A qualquer altura posso espeta-la no meu braço, ou no meu coração, se é que o tenho, se é que bate. O miúdo do quarto ao lado vem bater-me à porta para me pedir ganza, mande-o embora. Entristece-me saber que o futuro dele é este. Bater na esperança que não esteja no quarto e que a porta esteja aberta. Quem se importa? Tenho um livro e pouco mais.  

domingo, 11 de março de 2012

hei-de amar uma pedra

vejo-os a cuspirem esperma e trilho na noite inefável e tento chegar a ti. diz-me: se me escutasses o que ouvias do que digo? sabes ao menos a cor dos meus olhos? não te falo no que é dócil e naquilo que aqueles que cospem esperma querem ouvir; da dor. sempre a dor como caminho subordinado à auto-comiseração mesquinha nas amizades perissológicas. exijo mais. uma cruz ou uma merda parecida. que te dilates em mil canos e me digas como Lobo Antunes: eu hei-de amar uma pedra. Eu hei-de.