domingo, 25 de março de 2012

apareces poesia
ao abrigo das intempéries
e as coisas das casas aparecem
aparecendo um mundo lá dentro
como o mundo que aparece contigo cá fora

igual a ti as palavras os olhos os alicerces
mas tu apareces até por cima das casas
e a poesia aparece contigo
sabendo então que tu foste a base
e o início de tudo em ti aparecia
dentro de ti a palavra
o princípio aparecias
agora o fim
apareceste.

quinta-feira, 22 de março de 2012

...

fica.  foge. grita.
ou melhor: geme. 
tens direito de escolha se escolheres fugir ou gritar. 
e gemeres por aí, claro.
agora ficar não fiques. Salva-te. 
se eu não te posso salvar,  então por favor salva-te,
mas não fiques que afinal a minha dívida contigo apenas cresce a toda a hora. 
é, era só gentileza sem carácter.
(de outra forma  quase que podia ser bondade)
mas insistes em desvendares-te em segredos
- que se irritam uns aos outros - e fazes de conta que vais
fazes de conta que ficas. 
valem-me os cigarros, o cheiro a tabaco nos dedos. a ânsia. 
e depois, mais uma vez, a recordação da dívida. mas aviso-te:
não fiques e não me olhes,
caso contrário transformar-te-ei em pedra,
como Medusa. 

segunda-feira, 19 de março de 2012

Perdido nas ruas boemias da minha alma

Vagueio velozmente sem rumo concreto e feliz vagueio com destreza e orgulho e felicidade e um futuro amor que me acompanha ora veloz ora lentamente com rumo mais incerto que o meu.
Passeio pela mente Lisboa uma escuridão inunda a minha cidade deserta e bela Possuo Lisboa e ando tranquilamente agora na estrada embrançando a (minha) escuridão.
Olho minha alma e vejo um túnel à minha retaguarda volto-me para a frente para contemplar a bela escuridão azulada da minha alma e vejo um candeeiro
de onde terá saído Apercebo-me de que estou na minha Sintra e sorrio com tristeza que saudades
Vagueio agora sozinho com a minha lágrima e respiro o ar puro e inexistente da minha amada Sintra Fecho os olhos e inspiro mais fundo uma e outra vez e cheiro o iodo do meu mar Abro os olhos e sem surpresa contemplo o meu oceano acompanhado agora pela solidão da minha alma.

sábado, 17 de março de 2012

dar uma volta

Esperei anelando que chegasses. A tormenta parecia nunca mais querer findar, no momento em que eu deambulava na melancolia do sentimento que me estaria a agoniar. Levantava-me sistematicamente do fauteuil e de imediato voltava-me a sentar. A tormenta de mim se apoderava, e eu já não conseguia mais aguentar. Porque tardas tanto em querer te aproximar? Haverá alguma razão pela qual te queres afastar? Quando, então, recebi um sinal de que acabarias por regressar, comecei a conjurar o tempo que levarias para até mim chegar. Enquanto passava o tempo a ansiedade ia aumentando, a inquietação tornara-se ainda mais constante. Os ponteiros do relógio mais rápido avançavam e o meu coração palpitava como os ponteiros desse relógio que exponencialmente se intensificavam. No entanto tu teimas em não cercar, por isso decidi por ti esquadrinhar. Busco a um passado, que não existe, que é futuro de um futuro que já passou e nunca deveria ter existido! E foi aí que te encontrei... Por isso agora vai...

sexta-feira, 16 de março de 2012

Tenho a vida inteira numa gaveta e o corpo espesso e comprido desfeito em cursos de areia O outono desenha-me incêndios na pele abreviada de luz e certezas As entrelinhas da cidade são a fronteira do meu corpo perdido em ruínas e museus Semeio dias nas noites apressadas de princípios e de cigarros Fingi as palavras e o escuro Adormeci em metamorfoses de gestos e de esperma Há confissões escritas em ossos e mármores Segredos Desertos de mentiras e encruzilhadas Há vestígios do sol presos na pele do passado e o medo nos meus dedos Horas secretas de carne e de sangue na verdade primordial Fingi a sentença poética dos meus versos Fugi da sepultura do corpo e da vida Ficam a escravidão e as palavras em que eu me apressei a ser

quinta-feira, 15 de março de 2012

os Anjos

Hoje penso em escrever o dia todo. Só para ter pretexto de ignorar tudo e todos. Há sempre um dia a mais que o outro e hoje exijo o meu. Não fumo cigarros mas o fumo está por todo o lado. Só os como. Se os fumasse escarnecia no fumo e assim só sinto o gosto agro de ter palha entre as covas dos dentes. Não durmo há mais de sessenta horas e não distingo pensamentos de imagens prestidigitadoras. A minha mãe e a minha avó ligam-me. Não atendo, decerto pensarão que estou com os Anjos a dormir. O estômago acusa algum mal-estar, alguma vitamina que está a menos de ontem. A música invés de me libertar prende-me a estas paredes. A máquina de café precisa de água e eu de cafeína. A cafeína liberta pensamentos. Sem ela as figuras de estilo perdem-se na escuridão do quarto. A lâmpada está fundida e não há serviço de casa para as lâmpadas. Devia haver para tudo. Todos sabem que a rua só pode ser habitada por quem tenha o mínimo de decência e eu, neste estado, como poderia ir comprar o quer que seja sem ter um segurança atrás de mim. A ideia dele surge-me humilhante. Tanto quanto o lápis por afiar e a única coisa que tenho à mão para tal ameaça é uma faca. Não gosto de ter facas à mão. Assusta-me. A qualquer altura posso espeta-la no meu braço, ou no meu coração, se é que o tenho, se é que bate. O miúdo do quarto ao lado vem bater-me à porta para me pedir ganza, mande-o embora. Entristece-me saber que o futuro dele é este. Bater na esperança que não esteja no quarto e que a porta esteja aberta. Quem se importa? Tenho um livro e pouco mais.  

domingo, 11 de março de 2012

hei-de amar uma pedra

vejo-os a cuspirem esperma e trilho na noite inefável e tento chegar a ti. diz-me: se me escutasses o que ouvias do que digo? sabes ao menos a cor dos meus olhos? não te falo no que é dócil e naquilo que aqueles que cospem esperma querem ouvir; da dor. sempre a dor como caminho subordinado à auto-comiseração mesquinha nas amizades perissológicas. exijo mais. uma cruz ou uma merda parecida. que te dilates em mil canos e me digas como Lobo Antunes: eu hei-de amar uma pedra. Eu hei-de.