quinta-feira, 15 de março de 2012

os Anjos

Hoje penso em escrever o dia todo. Só para ter pretexto de ignorar tudo e todos. Há sempre um dia a mais que o outro e hoje exijo o meu. Não fumo cigarros mas o fumo está por todo o lado. Só os como. Se os fumasse escarnecia no fumo e assim só sinto o gosto agro de ter palha entre as covas dos dentes. Não durmo há mais de sessenta horas e não distingo pensamentos de imagens prestidigitadoras. A minha mãe e a minha avó ligam-me. Não atendo, decerto pensarão que estou com os Anjos a dormir. O estômago acusa algum mal-estar, alguma vitamina que está a menos de ontem. A música invés de me libertar prende-me a estas paredes. A máquina de café precisa de água e eu de cafeína. A cafeína liberta pensamentos. Sem ela as figuras de estilo perdem-se na escuridão do quarto. A lâmpada está fundida e não há serviço de casa para as lâmpadas. Devia haver para tudo. Todos sabem que a rua só pode ser habitada por quem tenha o mínimo de decência e eu, neste estado, como poderia ir comprar o quer que seja sem ter um segurança atrás de mim. A ideia dele surge-me humilhante. Tanto quanto o lápis por afiar e a única coisa que tenho à mão para tal ameaça é uma faca. Não gosto de ter facas à mão. Assusta-me. A qualquer altura posso espeta-la no meu braço, ou no meu coração, se é que o tenho, se é que bate. O miúdo do quarto ao lado vem bater-me à porta para me pedir ganza, mande-o embora. Entristece-me saber que o futuro dele é este. Bater na esperança que não esteja no quarto e que a porta esteja aberta. Quem se importa? Tenho um livro e pouco mais.  

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